A busca pelo equilíbrio entre o sofrimento e o sorriso em um mundo que o diferente não se encaixa

Dia 03/12 é o dia internacional da pessoa com deficiência

Hoje é meu dia! Olha que legal tem uma data no calendário reservada para mim. Eu sei existe outras datas semelhantes têm uma que “celebra” a minha luta e outra que simboliza minha condição, ah deve haver outras que enfatizam a minha singularidade, mas não me recordo. Você que não convive com uma pessoa com deficiência não deve saber que dia três dezembro é o meu dia! O dia internacional da pessoa com deficiência. Ou seja, todas as pessoas com alguma singularidade são lembradas hoje, pelo menos deveriam.

Eu com quatro anos viajando

Essas datas são simbólicas, todas têm uma história de muita representatividade. Mas para falar a verdade, datas são somente datas.

Poxa, é legal ser lembrado, parece que as pessoas despertam a empatia, compartilham as dificuldades impostas pela sociedade e são mais abertas a conhecer um pouco mais sobre essa realidade tão escondida, ao mesmo tempo tão comum. Pena que só temos alguns dias no ano nos quais essa sensibilidade desperta, porém no dia seguinte desaparece. E quando há o mínimo de exposição, percebemos o tanto que estamos distantes de nos encaixarmos nessa sociedade.

Somos tratados em dois extremos: o de coitadinho ou super-herói e muita das vezes somos vistos como doentes. Isso não espanta! Rotulam-nos como deficiente, somos lembrados disso todos os dias, a culpa é nossa de não nos encaixarmos, não é mesmo? Afinal somos o diferente, então a gente que lute.

Lutamos e, aos poucos e com muito sofrimento, preconceito e pouca representatividade, vamos adquirindo alguns “direitos”. Sei que quem consegue essas migalhas, muito comemoradas, não querem uma revolução, só querem manter o seu curral eleitoral, somos muitos 46,5 milhões de pessoas, mas somos desunidos, desinformados e com uma base muito deficitária, por isso, somos fáceis de manipular e, assim, nos contentamos com pouco e nos conformamos com a realidade, é triste, mas já foi pior.

Ser deficiente é ser sozinho. É descobrir que a busca por igualdade é uma utopia. Mas insistimos nessa falsa busca que criamos. É mais fácil aprender e evoluir com as diferenças do que escondê-las, mas mesmo sabendo disso, quereremos ser aceito em um lugar que não nos querem. Mas insistimos e persistimos, rodamos e pulamos de galho em galho. E, com o tempo, percebemos que ninguém nos entende.

A família tenta, mas por conta de uma cultura estruturada para o preconceito e o medo ao diferente, acaba que a família se desenvolve e sofre com você. Mas o sofrimento dela, acredito ser maior do que o meu, pois além de aprender com a surpresa muita das vezes inesperada, a família alimenta o medo da sociedade. É natural, tudo que não é “normal” incomoda e os que não conhecem te fuzilam com um olhar de desconfiança que, de fato, faria qualquer pessoa a não querer sair de casa.

Quando se está sozinho, você tem algumas opções: eu desenvolvi mecanismos de defesa baseados no bom humor, alegria, observação e muito medo de não ser aceito onde eu estava. Foi muito bom e extremamente doloroso pra mim e acho que ainda é assim, mas agora pelo menos estou escrevendo.

O nosso desenvolvimento é isolado e difícil. É muito mais triste quando você tem consciência de que é privilegiado. Sou grato por isso, sei do privilégio que tive em ter uma casa sempre cheia de gente, isso aguçou minha curiosidade e me fez desenvolver minha comunicação, queria ser notado, então dava um jeito. Vendo as particularidades de cada um, fui me desenvolvendo e compreendo a importância das relações interpessoais. Outro fator era a condição econômica da minha família. Embora seja importante para o desenvolvimento em sociedade, o dinheiro pode oferecer meios para você estar em convívio social, no entanto, ele não garante o sentimento de pertencimento. Sendo assim, as relações humanas geram experiências muito mais enriquecedoras. Não fico entristecido por mim, mas por milhares de pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que tive.

Sem ninguém para dividir meus medos ou frustrações, me reprimi muito, afinal, a gente quer ser igual a todo mundo, estamos inseridos na mesma sociedade, lembra? Aprendemos a mesma coisa e queremos a mesma coisa, é uma merda isso!

Demorei, mas aprendi. Por mais que, de vez enquanto, eu volte a essa estrutura, a mesma não é feita pra mim, na verdade não é feita pra ninguém que não esteja no topo da cadeia, então, por que eu quero o que essa sociedade não me dá? Por que eu quero algo de um lugar que não me compreendi e ainda me coloca um rótulo pejorativo?

Eu não quero mais me encaixar na sociedade, mas sou parte dela também, quero mudar essa realidade. Como? Não sei, mas um sorriso já ajuda ,um abraço já esquenta e uma palavra já muda tudo, né?

Eu sobrevivo nesse mundo doente que me afeta, mas crio o meu universo onde há alegria, nele há pessoas que amo, lá carrego as experiências do meu processo e valorizo a minha história.

Ser deficiente nesse mundo doente não é uma desvantagem, podemos montar a nossa própria realidade bem mais leve, divertida e com muito amor, enfim, mais humano. Afinal, tudo que criarmos vai ser julgado por alguém que, certamente, dirá: é a maneira dele aceitar a sua deficiência. Ou ele tá viajando, mas deixa ele. Você também viajaria quando percebesse que praticamente todas as estruturas que formam a sociedade não te compreendem. Estamos apenas nos adaptando a elas e não as modificando. Isso é desumano, então, podem me rotular, julgar e dizer o que o melhor pra mim, apenas aprendi a sobreviver levando alegria e um sorriso a onde eu for. Isso me mantém vivo e alivia meu sofrimento. Posso seguir assim, não culpo, tampouco, terceirizo minha dor. Apenas aprendi a aceitá-la e compreendo que posso e já transformo ela em algo bom há muito tempo, só nunca quis admitir isso, sabe como é? Você já é desfavorecido de todas as formas, se você parecer triste fodeu, né?

Sei que o sorriso me proporciona muitas conquistas e me deixa mais leve, me aproxima das pessoas e me proporciona novos conhecimentos e muita alegria. Irei continuar assim, valorizando um sorriso e mudando a minha realidade com sonhos, pois as pessoas que encontro são a base da minha evolução, pois aprendi desde muito cedo que eu preciso e, muita das vezes dependendo delas para me desenvolver nessa sociedade que não me quer.

Se fizermos isso com sorriso e alegria esse processo é mais prazeroso, mesmo que difícil. Estamos todos nessa sociedade, não vamos perder tempo em julgar e sim valorizar quem quer te acompanhar, mesmo que por um período, nessa caminhada.

Aprendi nesse processo que não temos ninguém, mas podemos escolher com quem estar. Se você mudar a sua estrada, compreenda e agradeça quem o acompanhou até ali, assim vamos seguindo, valorizando nosso dia sozinho, mas agradecendo e amando as pessoas que me ajudaram a tornar sólida a minha base, ainda bem que tenho muitas pessoas a agradecer.

Nesse dia celebro a minha singularidade e a minha capacidade de sofrer com um sorriso no rosto.

A capacidade de assimilar e transformar esse sofrimento em algo diferente que, pode ser algo utópico pra muitos, é o que me mantém saudável e feliz. Por isso crio o meu mundo, fico nele mais tempo, preciso dele para viver bem. Nele consigo sonhar, crio expectativas e, ainda, acredito no ser humano, por mais que seja difícil, no meu mundo ainda podemos.

Sim, sofrimento e felicidade caminham juntos e te acompanham dia a dia, mas eles não devem se sobrepor, devem estar equilibrados, pois corremos o risco de ficar depressivos ou alienados se algum desses sentimentos se sobressair.

No meu caso é muito fácil ir para qualquer lado, não faz diferença aos olhos dos outros. Eu já me superei, sou um cara esforçado, acho que todos definem as pessoas com deficiência somente com esse “adjetivo”, mas fazer o que, né? O termo deficiência me define e é o correto na sociedade, a evolução humana é mais lenta do que eu, bem mais lenta.

As relações humanas e a sua diversidade construíram e ainda são as bases mais solidas do meu caminho evolutivo, nele sempre encontrei e sempre espero encontrar pessoas maravilhosas para que sempre possa aprender e, se eu quiser mudar, mudo! Afinal, tudo está sempre em movimento. Se buscarmos mais alegria e compreensão dessa diversidade humana, mais satisfatória e feliz será a nossa vida.

Hoje compreendo que nasci não para me encaixar, nasci para provocar, estimular e causar um pouco de dúvida nessa fórmula de vida falida que levamos.

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