Sobre Vaine, rapper e artista visual

Rap, imagem e cotidiano: a jornada de um artista que transforma angústias em potência criativa

Vaine é rapper, artista visual e uma das vozes mais autênticas do rap autoral contemporâneo. Nascido na zona leste de São Paulo, o artista de 29 anos atualmente vive em Uberlândia (MG), cidade onde consolidou sua identidade artística e se tornou referência na cena musical do Triângulo Mineiro.

Sua obra é marcada por uma escrita profunda, imagética e crítica — na qual os conflitos da vida urbana, o racismo estrutural e os dilemas existenciais ganham força poética e sonora.

A trajetória de Vaine começou na adolescência, quando o rap surgiu como ferramenta de autoestima e expressão pessoal.

O garoto que enxergava sua herança racial como defeito, encontrou nas letras que ouvia uma identificação tão profunda que logo começou a criar suas próprias canções. Com 17 anos, escreveu sua primeira música, “Eu Rimo”, um manifesto lírico sobre suas motivações artísticas. Não demorou para que os primeiros registros compartilhados online despertassem reconhecimento — e o que era um hobby passou a se tornar vocação.

Aos 19 anos, Vaine se mudou para Uberlândia para cursar Artes Visuais na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Foi nesse novo território que sua caminhada artística tomou forma. As batalhas de rima abriram portas para gravações, palcos e parcerias. Ao mesmo tempo, sua formação acadêmica e a experiência com o desenho — linguagem com a qual já se expressava desde a infância — passaram a se fundir com a música, criando um corpo artístico único, onde som e imagem se complementam.
Entre beats e traços: uma voz fora da curva

Vaine lançou três projetos autorais que marcaram etapas importantes de sua carreira. A mixtape De 011 a 034 (2019) foi seu primeiro trabalho completo, reunindo vivências entre São Paulo e Uberlândia e narrando os contrastes da juventude periférica. Em 2020, lançou Encosto, um EP colaborativo mais enxuto e direto. Já em 2021, o artista apresentou Colibri, seu primeiro álbum de estúdio, no qual expandiu sua sonoridade com beats orgânicos, arranjos instrumentais e uma proposta visual ambiciosa: nove das dez faixas ganharam animações criadas por ele mesmo.

Musicalmente, Vaine se mantém fiel às raízes do rap, com letras rimadas, introspectivas e politizadas, sem abrir mão de explorar texturas sonoras brasileiras e narrativas urbanas universais. Ele não se encaixa em tendências: escolhe o caminho autoral e autêntico, voltado para um público que valoriza a densidade artística, o pensamento crítico e a imprevisibilidade lírica.

“Quero que minhas músicas tenham entrega e convite à reflexão. Que quem ouve nunca saiba exatamente o que vou dizer no próximo verso”, afirma.
Referências, resistências e reinvenções
Suas maiores influências vêm tanto de dentro quanto de fora do rap. Na juventude, foi profundamente impactado pela obra de MV Bill, e tem em Emicida sua referência maior — “Não sei se existiria o meu trabalho se não fosse o dele”, confessa. Rashid e Marcello Gugu também moldaram sua estética lírica.

Fora da música, seu repertório é atravessado por literatura, cinema e, especialmente, animações filosóficas e existenciais, como Carol e o Fim do Mundo e Entrelinhas Pontilhadas, da Netflix — obras que ressoam com seu desejo de refletir sobre as dores e ironias da vida adulta.

Além das influências artísticas, a vivência de Vaine enquanto homem negro e periférico alimenta a carga crítica de sua criação. Suas letras não apenas denunciam, mas elaboram e aprofundam questões sociais, políticas e emocionais. Para ele, o rap é acolhimento e ferramenta de reconstrução: “O rap precisa caminhar sem esquecer de onde veio. Meu trabalho busca sempre multiplicar. Que meu progresso também seja o progresso da comunidade ao meu redor”.

Os desafios de ser artista independente
Como a maioria dos artistas da cena independente, Vaine enfrenta os desafios de conciliar criação com sobrevivência. Manter a carreira ativa exige energia, tempo e visibilidade, especialmente num cenário em que as redes sociais impõem um ritmo frenético de produção e exposição. “Criar ainda é muito natural pra mim. Mas performar sobre isso o tempo todo nas redes sociais é dolorido. Não sei como lidei… ainda estou lidando”, afirma com franqueza.

Sonhos possíveis, arte necessária
Mesmo diante dos obstáculos, Vaine segue movido pela convicção de que criar é seu meio de existir. Seu maior sonho é construir uma carreira sustentável, que permita viver da música, rodar o Brasil com seus shows e ampliar o alcance de sua mensagem. Mais do que fama, ele almeja relevância: deseja que sua obra seja estudada, debatida e se torne referência para quem — como ele um dia — encontrou no rap uma forma de resistir e pertencer.

“Se eu pudesse falar com o Vaine de 10 anos atrás, diria que fazer rima é a parte fácil. Valorize a coletividade e seja fiel à sua essência. A sua forma de ver o mundo é o que você tem de mais valioso”, reflete.
Com os pés firmes na realidade e a mente conectada a múltiplas linguagens, Vaine é a prova de que o rap ainda é uma das ferramentas mais poderosas de transformação — não só da sociedade, mas do próprio artista.

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