Falar de inclusão é algo muito difícil, pois tenho uma deficiência e enxergo o tema de uma maneira muito individual. Construo a minha realidade com base nas minhas experiências familiares, no ambiente em que estou e na minha percepção de tudo que absorvo da sociedade. Essa construção é muito solitária e não tenho muito onde me apoiar. Por isso a arte e a cultura têm um papel fundamental no meu desenvolvimento. Para mim a beleza do mundo está nessa diversidade e vejo na cultura e na arte formas de interpretações de tudo que compõe a vida em todas as particularidades. E como cada um tem uma maneira de compreender a sua realidade, cada ser é incomparável e singular. Queremos pertencer à sociedade, independente da nossa condição.


Dito isto, a matéria de hoje é muito especial para mim, pois conversei com a extraordinária e sensível ao ser humano Deborah Colker. Ela convive diariamente com o preconceito e as barreiras sociais, utiliza a sua arte para transformar o ser humano e melhorar essa sociedade tão dura e estruturada para julgar e não compreender a diversidade.
Nós que moramos em Uberlândia poderemos assistir e nos surpreender com a beleza do último trabalho da coreografa. “Cura” chega a cidade para duas apresentações, nos dias um e dois de junho, no Teatro Municipal, às 20h. Garanta o seu ingresso no site.
Confesso que quando estava elaborando as perguntas, fiquei muito nervoso. Os espetáculos de Deborah Colker são muito impactantes para mim, lembro-me de “Cão Sem Plumas” e de conhecer a história do espetáculo “O Ovo”, que infelizmente não assisti, e para mim ambos são muito fortes e retratam muito bem a luta pela inclusão e a evolução humana.
Para este novo espetáculo, a inclusão também está presente. Mas ela é explorada com profundidade ao tratar temas como a vida e a morte, fé, religião e a ciência. Este novo projeto busca encontrar alguma forma para curar os problemas individuais de cada um e também alguma cura para a sociedade.
A “Cura” faz uma ponte entre a fé e a ciência e busca trazer novos sentidos para o termo cura. Para Niilton Bonder, diretor de dramaturgia do espetáculo, a morte é uma das maneiras em que podemos encontrar a cura.“A primeira pergunta que fiz para o Bonder foi: o que é a cura? Ele respondeu: você sabe o que é a grande cura, né? É a morte. Eu conversei muito com ele sobre como a morte é uma estratégia da vida, ela faz parte da vida, ela é a vida para dentro, não a vida para fora. Quando a gente nasce à única coisa que todos nós sabemos é que vamos morrer. A luta da vida é a conexão entre a vida e a morte”, contou Deborah.
A cura, por outro lado, pode ter vários significados Para equilibrar essa pluralidade, o espetáculo se aprofundou nas diversidades culturais e nas diferentes formas de viver a vida, compreendendo o poder da fé e das religiões, que são forças distintas. “Foi um processo de pesquisa e experimentação, o próprio processo criativo vai me surpreendendo. Fiz uma viagem pra Moçambique que me deu a ideia de cantar no espetáculo. O Bonder, numa conversa, me disse que pedir é curar, o direito de pedir por cura é importante, e me inspirou a fazer movimento de pedir por cura, rezar por cura. No processo achei a canção Sufi. Já a história de obaluaê foi quando eu estive na Bahia, tem também a construção desse muro das lamentações, que é um templo aberto. O espetáculo na verdade não tem nenhuma religião específica, mas ao mesmo tempo tem várias, a fé transcende a religião”, disse a coreógrafa.

Para se equilibrar religião, fé, espiritualidade e ciência, o trabalho foi árduo e difícil equalizar. “Eu penso que “Cura” pode existir em 4 planos: físico, emocional, intelectual e espiritual. A fé atende esses 4 planos, a fé é esperança, coragem e determinação, mas a ciência também é. Acredito que elas são parceiras, uma não anula a outra, finalizou Deborah
Nessa busca por autoconhecimento e com esse mergulho na diversidade se deu a criação do espetáculo “Cura” em 2018. No entanto, durante esse processo, tivemos a pandemia e todas as questões que estamos enfrentando. Todavia, Deborah enfatiza que o espetáculo vai além da questão sanitária. Traz reflexões sobre a ignorância e a discriminação. Ela explica bem esse processo.
“Eu comecei a fazer esse espetáculo em 2018 e a pandemia começa em março de 2020. Eu já vinha desenvolvendo e traçando muito o caminho e o sentido desse espetáculo, então, apesar da pandemia ter surpreendido a todos nós, o que parecia durar no máximo 3 meses, depois o que parecia durar no máximo 6, depois no máximo durar 9 meses, mesmo com esse tempo longo, eu sabia que a “Cura” que eu estava buscando no meu espetáculo é a cura do que não tem cura. Isto é, uma investigação mais profunda que não se trata de uma questão política e sanitária. Para a covid-19 temos a vacina. As questões que estão dentro do meu espetáculo, como por exemplo, a discriminação e a ignorância, ainda não tem cura. Eu percebi que o meu espetáculo “Cura”, que começou em 2018, era outro assunto. Ao mesmo tempo, a pandemia sensibiliza, conecta cada pessoa com seu isolamento, com seu luto, com a solidariedade, com a resiliência. Então eu acredito que este público que assiste agora à “Cura”, depois dessa pandemia, tem uma conexão única, intensa, e é uma experiência inovadora para cada um que assiste nesse momento”, enfatizou a artista.

O poder do trabalho e da criatividade de Deborah Colker é facilmente notado em cada novo projeto e, certamente, “Cura” irá nos comover e nos fazer refletir sobre questões profundas e existenciais. Por ser sensível ao ser humano e compreender a dificuldade de ser “diferente” nessa sociedade, além de conviver e combater a exclusão, Deborah traz para sua arte essa luta diária por aceitação, respeito e admiração as diferenças.
Por isso não poderia deixar de saber e compreender como ela enxerga essa luta pela inclusão e se ela vê alguma possibilidade de cura do ser humano. “Essa é uma busca diária de todos nós e que talvez não exista apenas uma só resposta para o que precisamos. Tenho que encontrar a cura, temos que encontrar alguma cura em algum lugar para o que nos aflige. Pedir é curar, visitar é curar, se aproximar da dor é curar”, disse Colker. “Percebi a dualidade da cura e da doença, do grito e do silencio, de aceitar e lutar. Quando nos colocamos no lugar do outro, podemos refletir sobre nossas atitudes e evoluirmos enquanto humanidade”,completou a coreografa. Ela entende o poder individual, mas reforça a força do coletivo. ”Acredito que as lutas individuais são muito importantes, acredito muito nos movimentos individuais, a história nos mostra isso, mas o coletivo também tem que existir”, concluiu Deborah.
E para finalizar, Deborah Colker nos deixa uma mensagem forte. “Acredito que o nosso pior inimigo é a ignorância, o desconhecimento e a discriminação. Qualquer discriminação é intolerável, todos têm direito a um lugar nesse planeta e um lugar nobre, com respeito. A inclusão não é algo a ser discutido, é algo a ser estabelecido, e não pode ser hipócrita, tem que ser real. Uma das grandes motivações do meu espetáculo CURA é dizer um não preciso à discriminação”.
Estou ansioso para conferir este espetáculo. Obrigado por nos fazer refletir e ajudar a transformar pessoas e a sociedade através da beleza da sua arte.
SERVIÇO
Data: 1 e 2/06
Horário: 20h
R$120,00 (inteira) e R$60,00 (meia-entrada)
Venda: Site e loja Inclusive Brechó, avenida Cesário Alvim 396.
Local: Teatro Municipal de Uberlândia Informações: 9 9866-1727

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